Arquivo pretensiosinho

quinta-feira, 7 de março de 2013

Gleba


Gleba é diferente de qualquer lugar. Isto é, quem vai a Gleba, se há quem já tenha ido, sabe que Gleba não é lugar. Chegar a Gleba pela manhã, se é que se chegue, é desconcertante. E o desarranjo ingeográfico em Gleba deve-se ao fato de que um homem de Gleba certa vez leu a Comédia do Paraíso pra trás e não virou Santo. Diriam que todo o processo de canonização não durou pouco mais que uma manhã e que, graças ao Santo que não foi, Gleba quase se tornou um lugar.

Como se vê, começaram a falar de lá. E falam que, no verão outono, ficariam em Gleba pela tarde, se em Gleba se ficasse. A esta hora?, dizem que diriam, A esta hora em Gleba?! E cogitam mais. Discutem. Conversam. Todos. Mesmaotempo. Dissoante. E o som se propaga intermitente em Gleba, fato só menos inédito que a própria Gleba vista de além. Ecoa que Gleba seria onde desalinha, a curva que não acaba. Sempre mais um propondo, bisbilhotando, opinando, porque Gleba moraria no epicentro de um vale cercado de todos os lados por olhos e más línguas. E na várzea do lago central, um mercado, na pupila de Gleba, cuja presença anunciaria a tragédia.

O som absurdo irradia do buraco inexistente, que se desabriu no primeiro e último terremoto, reverberando pelas cordilheiras impossíveis, e o solo, estéril, se consumiu. E quanto mais se tirou, mais se houve que tirar.

Em Gleba não se chega, não se fica e, de lá, sem lá, não se parte. Os homens de tempos tantos depois daquele homem crédulo não mais têm que se despedir. Nem que se cumprimentar, nem que dar bom dia, pois nenhum morador que não existisse ofereceria comida e abrigo a forasteiro que não quisesse pousar. Gleba não é hospitaleira, assim, naturalmente, não se visita Gleba, pois não há quem não imagine encontrar um hotel onde não há. Mas pra quem fala de Gleba, sua arquitetura é simples e coerente: tudo que se desconstruísse em Gleba seria a partir do ângulo negativo do que se nega.

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