Arquivo pretensiosinho
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Inércia
Do alto de minha cadeira, observo o bafo de um trago se insinuar em minha frente. Mensagem mística. O segredo é necessário. Dedos que solfejam o tédio. Anular e mindinho. Sei agora muito mais do que gostaria. E torcendo o nariz, prefiro minha crença na ignorância. Coisa de fé. Não compreendo bem a lógica tão óbvia dos fatos. Talvez porque não procure em linhas tortas o que o óbvio faz questão de deixar aparente. Vejo na silhueta rarefeita um porvir. Até então, nada demais. Já vi demonstrações de charlatanice menos sinceras na televisão. Vejo a fumaça e quero mais um trago. Não espero muito mais do que um trago revelador. Do alto de minha juventude decrépita nessa cadeira que vai e vem. Por que diabos tanta expectativa? E por que esperar o que quer que venha? Virá de forma ou outra. O tédio se destina curtir em tonel de silêncio. Impregnado de palavras, ou menos, pensamentos. Sábios os que calam até não mais poder. Felizes os que falam pelos cotovelos. Frustrados os que procuram misturar. Salvo algumas linhas subjetivas, esse pesar não me rende mais nada. Eu, que conheci a resposta. Que a distribui em praça pública. Para os amigos em abraços. Para os mendigos em moedas. Para os desconhecidos, eretos, em seus paletós alinhados, não sei, não respondi quase nada. Respondo sempre à altura. Pelo menos, a que me convém medir. Não dos pés à cabeça, mas da respiração, do olhar, de quanto se movem as sobrancelhas enquanto uma decepção encara. Decepção. Medida do caráter. Julgamento moral mesmo. Quem mais abre a boca para a hóstia? Não se sabe a proveniência do trigo, nem do evangelho. E que importa o evangelho que trás a dúvida, se até eu, que sou eu, já tive a resposta. Soberano na sacada. Cinco andares abaixo. Acima, além do teto. Calculei os mínimos erros. E os máximos, os enormes, que entopem as bocas-de-lobo. Tive culpa da próxima chuva, e também desta que os matou. Aqueles que não souberam escutar. Em praça pública um dilúvio de verdades. Nem que chova canivete. Andei espalhando de tudo por aí. Andei cobrando por uns tragos. Desculpa perfeita para uma confissão. Movimento invariável. Mesmo na impossibilidade de se fixar as formas no ar. Não as nuvens, que nada me dizem, mas aquilo que vem de mim. Que queima no espaço. Que passa por mim. E retorna ao mundo, inconcluso, sempre incompleto. Uma previsão de sorte. Não quero sua mão, segure-a no bolso, até eu pedir. Porque não mando. Não mando e não quero sua mão. Ajuda pouca não vale de nada. E de que ajuda precisa a inércia? Se é que se prova alguma coisa com essas lógicas desmesuradas. Redundância do possível que não se ultrapassa. Da sacada donde vejo só o que quero. Limitado, limitado. Capacidade necessária. Inerente às memórias, mais um trago. É o incenso mal-cheiroso feito de mim. Por que tantas expectativas a meu respeito? Se não sou capaz de amar depois de amar. Se prefiro as vias de fato, e as vias tortas? Balançando. Não é a miséria da dúvida. É a graça do tempo. Agora anda bem velho. Deixei para ontem o que já poderia ter feito. De mão em mão como um provérbio. Que ninguém se salve. Que cada sacada, cada quintal, cada pedaço de terra improdutivo tenha uma cadeira de balanço. E uma juventude mastigada. Dois mil anos à frente, ou três passos atrás. No perigo dos degraus, no mistério das esquinas, no intervalo até o sono. Quase fui rico. Escolhi rir um pouco. Tão pouco que acho graça. E sei que daqui não passa. Sem tragédia, nem platéia. Cansei de platéia. Agora só uso o banheiro dos fundos, os cantos dos bancos, e as paisagens de cinza azulado. Vastidão de dimensões desproporcionais. Amarradas pelo espírito de uma entidade. Que, num segundo, calcula os imprevistos e a margem de lucro. Xis é igual a zero. Primeira das memórias decepcionantes. E a imagem no espelho. E o porre mal-falado. E o talho numa queda de cabeça. E o orgulho. E os pedidos desesperados. Tudo em tão curta extensão. Não concordo e ponto, mas abano a cabeça em sinal. De sim. De não. Que seja como agrada. Que faça quem melhor o faça. Que mova o vai e vem agora. O tédio que induz. Há um homem, uma mulher. Há uma história, esteja certo. Um tiro certeiro, ou facada sem muito cuidado. Qualquer violência já está perdoada. E me chamam para ali. Como se escutasse com os olhos. Já sei. Já sei. Eu já tive a resposta. Agora quase não falo. Só quando a verdade permite um desvio.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário