Arquivo pretensiosinho

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Marta

“Marta. O nome dela é Marta”. Assim respondeu o Beto quando eu perguntei. E fiquei boquiaberto. Marta. Mas que nome é esse?! Comigo eu tinha como Isabela, Caroline, Mariana, mas era Marta. Foi paixão de um soco, sem chances para mim. Nocaute no primeiro round. De alguma maneira, a Marta apagou todas as lembranças que eu tinha das minhas ex-namoradas. Não sei, a Marta é uma mulher que faz essas coisas com um homem como eu.

Naquela noite nós começamos a nos conhecer. O engraçado é que foi ela que veio até mim, e depois de muito insinuar que gostaria, acabei a chamando para uma dança. Não foi ela quem me convidou, que fique claro. É que eu não danço muito bem e fiquei encabulado. E foi hilário no final das contas. É claro que a culpa foi toda minha quando a Marta caiu em cima daquele rapaz. Eu que havia bebido demais. A sorte é que ele foi gentil e até pediu desculpas a ela, do contrário eu teria tomado uma surra. Eu já apanhei pela Marta. Eram dois caras, não pude reagir, mas ela me incentivou até o final, e depois me fez curativos. Sabe, aquela noite foi inesquecível...

Quando conheci a Marta, eu bebia demais, era minha vida sair de balada e chegar de porre em casa. Depois parei, porque a Marta me pediu. Bebia menos, saía menos, fomos ficando assim, conversando por telefone, conversando na calçada, conversando na sala, conversando no quarto, até que um dia ela estava morando na minha casa. Nunca passamos papel nenhum, não. Não era necessário. A Marta já trocava segredos com minha mãe, vivia tricotando com a minha irmã, e até o meu cunhado Vanderlei, que é um glutão antipático, tinha alguma simpatia por ela. Ainda bem que a Marta não conheceu meu pai. Não sei se ela ia gostar dele, porque o velho era bem ranzinza, e até por isso não sei dizer se ele gostaria dela. Mas minha mãe com certeza ia calar a boca dele, e puxar a sardinha para o lado da Marta.

Confesso que é bem difícil dizer tudo o que devo agora, pois mesmo sabendo da história eu não acredito. Acho que ainda amo a Marta. Ah, se ela me visse dizendo que “eu acho” que a amo, ela arremessaria o que tivesse à mão. A Marta era o amor de uma panela de pressão. Uma vez, mesmo morrendo de vontade de voltar para casa, eu fiquei no trabalho para não dar as más notícias: “Marta, meu chefe escolheu outro cara para supervisor”, imagina?! Mas quando eu dizia que estava fazendo serão e que o chefe gostava disso, que estava prometendo me dar o cargo, ela se satisfazia e me mandava comer.

A Marta cozinhava tão bem que eu engordei uns 10 quilos em questão de um ano, um ano e poucos. A essa altura já tínhamos saído da casa da minha mãe, que andava botando muita minhoca na cabeça da Marta, ficava fazendo minha caveira. Tenho certeza que minha mãe gostava da Marta como uma filha, de mim ela só gostava. Tínhamos alugado a quitinete do andar de cima. Em dias que o meu cunhado dobrava o turno, a minha mãe e minha irmã subiam para jantar com a gente. Eu não gostava, elas falavam muita besteira de mim.

E foi num jantar desses que eu tive a idéia, fiquei calado, e levei umas duas semanas arquitetando uma forma de mostrar tudo para a Marta: eu poderia largar o emprego e abriríamos um restaurante. Ali perto tinha uma fábrica, e os operários amigos meus diziam que a comida do restaurante deles era nojenta. Enfim, eu largaria tudo para começar o negócio com a Marta. Alugaríamos o espaço que tinha sido do bar do Pedrão. Quando falei para ela, fiquei espantado: ela aceitou sem titubear, mas com um porém: eu não devia largar meu emprego. Parecia muita sensatez da parte dela, e eu fiquei orgulhoso do espírito empreendedor da minha gordinha. Era assim que eu a chamava quando estávamos na cama. Ah, quantas lembranças! Boas lembranças! A Marta definitivamente sabia como agarrar um homem, ela fazia aquele manjar que devia ter uma poção mágica, e depois me levava até a cama. Meu Deus!

Então fiz um acordo no trabalho: fui demitido e recontratado, como bônus ganhei a desculpa de que agora que havia feito o acordo, não poderia ser promovido a supervisor por um bom tempo. E investi toda a grana da rescisão no restaurante. “Cantina da Marta”, brilhava no luminoso. A princípio eu não entendia porque colocar um luminoso se a intenção era vender almoço, mas com o tempo eu percebi que a Marta era uma mulher de visão: o restaurante foi ficando famoso, até que havia clientes batendo na porta para o jantar. O bairro todo ficou sabendo, e tinha gente que vinha lá da zona leste para comer a comida da Marta. Temos nove funcionários, quer dizer, tínhamos até a semana passada, agora com isso eu já não sei. Mas não é importante agora. O que interessa é a história que eu tenho que contar a você, para que saiba de tudo o que passei e se coloque no meu lugar...

A Marta chegava em casa exausta, e sempre falava que ia promover o Beto para gerente para poder descansar e dar mais atenção ao buzuzinho dela. Eu adorava esse apelido... Bem, o fato é que ela era uma mulher de fibra, e com toda essa trabalheira acabou que eu saí no lucro, porque ela agora me tratava diferente, melhor, melhor ainda, quero dizer. Fiquei acostumado logo no primeiro mês. Quanto mais tarde a Marta chegasse em casa, mais eu ganhava mimos, então eu não me importava de contar para ela o que tinha passado nas novelas, ela queria saber de todas, sempre. E eu também comentava as notícias principais do Jornal Nacional. Sempre admirei essa garra da Marta, deixar até a novela para depois... Já não me importava em deixá-la dormir cedo, desde que me chamasse de apelidinhos e me fizesse cafuné...

Um dia o Beto veio para jantar, a Marta fez questão de sair mais cedo do restaurante naquele dia para fazer a janta em casa. E caprichou. Era uma senhora gourmet! Naquele dia a própria Marta trouxe três garrafas de um vinho chileno, e disse que seria uma para cada. Eu que já estava acostumado sem o álcool, achei que ia cair da cadeira, mas consegui segurar as pontas. O Beto ficou até mais tarde, e sentamos no sofá conversando das coisas do passado enquanto a Marta tomava banho. Foi aí que ele me contou que a Marta era sua ex-namorada. Foi um choque. Foi a primeira vez que tive ciúmes da minha gordinha com ele. Aí ela chegou e perguntou do que estávamos falando e o Beto respondeu que era sobre besteiras do passado. Safado! Na hora eu deixei quieto, mas iria tirar satisfações com ela assim que me recuperasse do vinho. Acabei dormindo no sofá, e nem sei a que hora o Beto foi embora.

No outro dia acordei sem ressaca, era um bom vinho aquele, e quando fui ver que estava atrasado no relógio da parede do quarto, vi que a Marta já tinha saído para o restaurante. Fui trabalhar, ainda meio ressabiado com aquela história. Naquele dia eu ia almoçar no restaurante, até porque com aquela coisa toda de vinho a Marta tinha esquecido de preparar a minha marmita. Eu ia lá e ia observar aquele canalha, se ele olhasse torto, desse um sorrisinho a mais, eu ia quebrar a cara dele.

Pois bem, fui ao restaurante na hora do almoço, e as portas estavam fechadas. Achei estranho, pensei que tinha acontecido alguma coisa. Eu não tinha a chave, mas fui até em casa para ver se a Marta estava lá: não estava. Fiquei muito preocupado e liguei para o Beto, mas não atendia. Aí peguei a agenda e comecei a discar para os outros funcionários. Falei com uma tal de Neide, e ela não queria acreditar que era o esposo da Marta que estava falando. Apavorada, acabou me dizendo que a Marta tinha dito no dia anterior que não abriria o restaurante naquele dia por luto, que EU havia falecido e que sairia mais cedo para cuidar do velório...

Decepção! Muita decepção! Mas que merda era aquela que estava acontecendo?! A Marta tinha fugido com o Beto, estava claro. Eu era um corno. Um cornalhão. Um cornalhudo. Cornalhaço. Cornetuzuzinho. Então escrevi um bilhete para minha mãe, dizendo que o entregasse para a Marta quando ela viesse ao meu enterro. Fui desesperado e decidido até a cozinha pegar uma faca, pois se era o que ela queria, eu ia me matar. A Marta é um amor de suicídio. Meu Deus!

Quando já estava com a lâmina no pescoço, tocou a campainha. Era o Beto. O que esse desgraçado queria??? Decidi aproveitar a oportunidade: mato esse filho da puta e depois me mato. Nem um, nem outro. Se a Marta não me amava, não poderia ter mais ninguém. Apareci na porta dissimulando minha cara de corno, e o convidei para entrar. Ele ficou pálido e me perguntou porque eu não tinha ido trabalhar, e eu disse que estava de ressaca. Então fiz a mesma pergunta para o infeliz e ele deu a mesma resposta, disse que a Marta tinha dado para ele o dia de folga depois da bebedeira, que tinha pedido para ele passar ali àquela hora para buscá-la, pois que o restaurante só iria abrir para o jantar. Sei sim... Eu disse que ela não estava e também que não precisava esperar, que eu mesmo a levaria. Deixei ele ir, como eu me arrependo...

- Entendi, entendi... Então, você está dizendo que o amante da sua esposa se chama Beto?
- Isso.
- E que quer ajuda para encontrá-los?
- Isso.
- Você tem ciência de como são os meus métodos?
- Tenho, tenho sim. Disseram que você é o melhor, o mais discreto... E agora que você já sabe da história...
- Você quer que eu dê uma atençãozinha especial para o talarico?
- Isso.
- E sua esposa?
- Só traz de volta o retrato...

2 comentários:

  1. E como foi o final?? Quero saber dos métodos :D

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  2. hahahahaha... não perca os próximos capítulos...

    Brincadeira, o final é assim mesmo, fica por sua conta imaginar os métodos... Quem sabe depois não haja uma segunda parte contando a história do "localizador de esposas e talaricos"?!...

    Valeu pelo comentário... t+

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